25 de agosto de 2009

O CAMPO DA VERA PAZ É NOSSO... A CARGILL QUE VÁ FAZER ESTACIONAMENTO NA CASA DO CARALHO

Antônio Edilson Senna (Berê) –
militante da Frente em Defesa da Amazônia.

Há algum tempo venho acompanhando notícias sobre as pretensões da Cargill em se apropriar de mais um espaço público (e como conseqüência expropriar os cidadãos santarenos) para usá-lo única e exclusivamente em favor de seus interesses financeiros e comerciais. Desta vez o espaço público se trata do campo da Vera Paz e o uso privado e expropriador é para servir de estacionamento aos caminhões de soja que vão descarregar em seu porto ilegal.

Parece que hoje tiveram início os trabalhos de expropriação. Três tratores derrubaram as traves e começaram a “limpar” a área, apoiados por alguns sujeitos travestidos de cientistas para justificar a expropriação como se fosse parte de um trabalho de alguma geoenrolação e, como não podia faltar, a presença da Polícia Militar (filha herdeira das atrocidades da época da ditadura no Brasil) para manter a “ordem” que pode ser interpretada como “nada pode atrapalhar o destino da Amazônia que é ter toda sua riqueza roubada pelo poder econômico internacional”.

Amanhã os grandes meios de comunicação da cidade, com raras exceções, devem começar a reproduzir o discurso do desenvolvimento econômico: “o campo da Vera Paz era um reduto de marginalidade”, e ainda “Santarém tem muitos campos de futebol espalhados pela cidade e um não fará falta”, ou então “o uso do campo da Vera Paz pela Cargill vai gerar empregos e um retorno econômico para a cidade”, outra coisa que ouviremos poderá ser do tipo “uma meia dúzia de pessoas jogavam bola ou usavam o campo da Vera Paz para lazer”.

Pois bem, proponho aqui que tomemos este discurso do desenvolvimento econômico como verdade absoluta e irrefutável e o apliquemos a todos os espaços públicos de Santarém. Para isso tomarei a Igreja Matriz e a orla da cidade como exemplos de como se desenrolaria as justificativas em prol da expropriação destes espaços pelo poder econômico.

Vejamos a Igreja Matriz. Um espaço amplo em pleno centro da cidade que representa um verdadeiro desperdício do ponto de vista do aproveitamento econômico. Afinal de contas aquele lugar poderia ser demolido e em seu lugar construído uma grande empresa qualquer, ou talvez um shopping center. Tem tanta Igreja em Santarém que não ia fazer falta a demolição de uma apenas. E mais, quantas pessoas freqüentam a Igreja da Matriz? Uma minoria se comparada ao total de Igrejas na cidade (incluo aqui não apenas as paróquias da Igreja Católica, mas também todas as Igrejas Protestantes existentes na cidade). E a maior parte dos católicos nem são praticantes mesmo. Não tem comparação o retorno econômico com a geração de vários empregos por uma grande empresa no lugar de meia dúzia de funcionários da Diocese.

E a orla da cidade? Imaginem se tudo aquilo fosse abaixo para dar lugar a grandes empreendimentos estaleiros? Que maravilha!! Muito mais empregos com carteira assinada do que o mísero número de pipoqueiros e vendedores ambulantes que circulavam por lá hoje, sem falar nos “trecos” vendidos por hippies sujos e mal encarados. E nem é um lugar tão freqüentado, pois é só lembrar que a maior parte do tempo ali fica deserto, afinal ninguém agüenta a orla durante o sol escaldante durante o dia e o aglomerado de pessoas é só durante a primeira metade da noite e aos finais de semana. Com lugares como Alter-do-Chão, Praça São Sebastião, Praça São Cristovão e outras por aí ninguém ia sentir falta do fim de um único espaço de lazer na cidade. A diversão e o lazer continuariam, apenas mudariam de endereço.

Se você concorda que o desenvolvimento de uma cidade se expressa, única e exclusivamente, pelos índices de produção econômica, geração de empregos e circulação de renda, então sorria. Amanhã não faltará Tapajós, Pontas Negras e Santaréns com seus apresentadores, radialistas e repórteres para justificar que o fim do campo da Vera Paz é em prol do desenvolvimento da cidade. Então faça sua parte e reproduza o discurso do desenvolvimento econômico e colabore para sua expansão por todos os espaços públicos de Santarém. Que acabem com a Igreja Matriz, com a orla, com a Praça São Sebastião e todos os outros espaços públicos santarenos e que venham os grandes empreendimentos econômicos em seus lugares.

Mas se você discorda de tudo o que está nos três parágrafos anteriores e sente um desconforto inexplicável em ver um espaço público de lazer ser apropriado para fins particulares por uma empresa que já expropriou dos santarenos a praia da Vera Paz, então fica aqui o convite a continuar a ler as próximas linhas e construirmos uma reflexão sobre o valor, impossível de ser precificado e quantificado monetariamente, que tem uma coisa chamada patrimônio histórico e cultural.

A Igreja Matriz é um espaço público onde pelo menos uma vez na vida um santareno já esteve e viveu momentos marcantes o suficiente para não conseguir olhá-la com indiferença como se fosse apenas mais uma Igreja. Independente de opção religiosa, alguma vez na vida, todos paramos para contemplá-la enquanto prédio histórico e imaginar como teria sido a construção de algo tão grandioso em tempos tão remotos. A orla da cidade foi, é e será para todos santarenos o espaço público onde teremos a impressão de que o tempo pára quando apreciamos o pôr do sol, apreciamos os pescadores jogarem suas tarrafas, o movimento das águas do Tapajós encontrando o Amazonas.

A experiência pessoal e prazerosa que temos em espaços públicos como a Igreja Matriz e a orla da cidade não tem espaço na idéia de desenvolvimento como crescimento econômico. Estes espaços públicos estão ligados à própria identidade dos santarenos, pois diversas vezes ouvimos expressões do tipo “Santarém a cidade de Nossa Senhora da Conceição” ou “Santarém do encontro das águas do Tapajós e Amazonas”. O patrimônio histórico e cultural de uma comunidade lhe proporciona experiências de bem-estar e a auto-estima (orgulho enquanto parte desta comunidade) impossível de ser substituída por um empreendimento econômico.

O campo da Vera Paz faz parte do patrimônio histórico e cultural de Santarém. Se não é usado por todos (ou pela maioria) já foi, ao menos alguma vez na vida de cada santareno, um espaço de lazer e convivência social, que o digam os moradores do bairro Laguinho e aqueles que conheceram a praia da Vera Paz. Se não é o único campo da cidade é aquele de maior fama entre os campeonatos de peladeiros de Santarém. Se a sua presença no cotidiano como espaço disponível para a convivência social não é suficiente para ser notada, a idéia de sua eterna ausência é suficiente para ser sentida como inconcebível.

O campo da Vera Paz enquanto espaço público de lazer e convivência social faz parte do patrimônio histórico e social de Santarém e, por isto, não está disponível como mercadoria a ser vendida ao poder econômico internacional. O espaço público não tem preço, nada pagará a sua apropriação individual, arbitrária e gananciosa como já fez a mesma Cargill com a finada praia da Vera Paz. O campo da Vera Paz é nosso e a Cargill que vá construir seu estacionamento na CASA DO CARALHO!!

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